Se pensa importar um carro para Portugal ou quer perceber melhor como funcionam os impostos automóveis, há um tema que não pode ignorar: as diferenças entre WLTP e NEDC.
Estes dois ciclos de testes são responsáveis por medir o consumo de combustível e as emissões de CO2 dos automóveis, números que servem de base para calcular impostos como o ISV e o IUC.
À primeira vista pode parecer apenas um detalhe técnico, mas a verdade é que o tipo de homologação utilizado pode fazer variar — e muito — o valor a pagar em impostos ou até a forma como compara modelos no mercado europeu.
Durante décadas, o NEDC (New European Driving Cycle) foi o método de referência na União Europeia. No entanto, por ser considerado pouco realista, acabou substituído em 2017 pelo WLTP (Worldwide Harmonised Light Vehicles Test Procedure), um sistema mais rigoroso e próximo da condução do dia a dia.
Desde a entrada em vigor do WLTP, os valores oficiais de consumo e emissões registaram aumentos médios de 20 a 25% face ao NEDC, refletindo de forma mais fiel a utilização real dos veículos.
O Que é o NEDC?
Origem e História
O NEDC (New European Driving Cycle) foi criado nos anos 1980 e adotado oficialmente em 1992 como referência europeia para homologação de veículos ligeiros. O objetivo era padronizar como os fabricantes testavam os seus carros em laboratório, permitindo comparar modelos uniformemente em toda a União Europeia.
Durante muitos anos, este ciclo serviu de base para definir os valores oficiais de emissões de CO2 e consumo de combustível, sendo esses mesmos valores utilizados nos cálculos de impostos em diversos países, incluindo Portugal.
Estrutura do Ciclo NEDC
O NEDC tinha uma duração total de cerca de 20 minutos e abrangia apenas 11 quilómetros. O teste estava dividido em duas fases:
- Urbana: simulava paragens e arranques em cidade.
- Extra-urbana: representava trajetos em estrada a velocidades moderadas.
As condições eram pouco exigentes:
- Velocidade média de apenas 34km/h.
- Velocidade máxima limitada a 120km/h.
- Condução em acelerações suaves, sem considerar o peso adicional de passageiros, carga ou equipamentos opcionais.
Limitações e Críticas
Com o passar do tempo, o NEDC começou a ser amplamente criticado por ser pouco realista. Na prática, os consumos obtidos em estrada podiam ser até 40% superiores aos declarados em homologação. Isto acontecia porque:
- Os percursos eram curtos e pouco representativos da condução atual.
- As velocidades eram reduzidas e não simulavam autoestradas.
- Não se consideravam fatores como peso, aerodinâmica e opcionais.
A pressão de organizações ambientais, consumidores e da própria Comissão Europeia levou à criação de um novo método: o WLTP.
O que é o WLTP?
Contexto e Criação
O WLTP (Worldwide Harmonised Light Vehicles Test Procedure) foi desenvolvido pela UNECE (Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa) e adotado pela União Europeia a partir de setembro de 2017.
O objetivo foi claro: criar um ciclo de ensaio mais realista e globalmente harmonizado, aproximando os valores de homologação daquilo que os condutores encontram no dia a dia.
Estrutura do Ciclo WLTP
O WLTP é significativamente mais exigente que o NEDC:
- Duração total de cerca de 30 minutos.
- Distância percorrida de 23,25km (mais do dobro do NEDC).
- Velocidade média de 46,5km/h.
- Velocidade máxima de 131km/h.
- Quatro fases distintas: baixa, média, alta e extra-alta velocidade.
Além disso, o WLTP introduziu variáveis fundamentais:
- Considera o peso real do veículo, incluindo opcionais.
- Avalia a resistência aerodinâmica.
- Reproduz acelerações e travagens mais próximas da condução moderna.
Diferenças Técnicas Face ao NEDC
Linha Temporal da Transição do NEDC para o WLTP
A passagem do NEDC para o WLTP não aconteceu de um dia para o outro. Foi feita gradualmente, para permitir que os fabricantes de automóveis se adaptassem às novas regras de homologação.
- 1 de setembro de 2017: o WLTP tornou-se obrigatório para todos os novos tipos de veículos lançados na União Europeia.
- 1 de setembro de 2018: a regra passou a aplicar-se a todos os veículos novos vendidos na UE, sem exceções.
- 1 de setembro de 2019: terminou a fase de tolerância para os modelos considerados de “fim de série”.
- 1 de janeiro de 2021: o WLTP tornou-se o único ciclo válido para verificação do cumprimento das metas de emissões definidas pela União Europeia.
Durante este período de transição, a Comissão Europeia recorreu ao software CO₂MPAS (desenvolvido pelo Joint Research Centre) para converter valores entre NEDC e WLTP, garantindo comparações justas enquanto coexistiam ambos os métodos.
Impacto Prático nos Valores de Consumo e CO2
Comparação dos Resultados Médios
Na prática, os valores medidos em WLTP são, em média, 21% superiores aos registados em NEDC. Por exemplo, um carro que apresentava 120g CO2/km em NEDC pode passar para 145g/km em WLTP.
Segundo a Agência Europeia do Ambiente (EEA), a média da frota de veículos novos vendidos na União Europeia em 2023 foi de 106,4g CO2/km (WLTP), mostrando como este método já está consolidado como referência oficial.
Diferença Para o Consumidor Final
Para os condutores, a principal mudança foi perceber que os carros consomem mais combustível do que o prometido nos testes antigos.
Estudos oficiais revelam:
- Gasolina: consumo real ~23,7% acima do WLTP.
- Gasóleo: ~18,1% acima.
- Híbridos plug-in (PHEV): podem consumir até 3,5 vezes acima do valor declarado.
Caso Particular dos Híbridos Plug-in (PHEV)
Os PHEV são o exemplo mais evidente da diferença entre laboratório e realidade.
Nos testes WLTP, assume-se que o carro é conduzido com a bateria totalmente carregada, fazendo os consumos parecerem muito baixos. Mas, no dia a dia, se o condutor não carregar o veículo com frequência, o motor a combustão passa a assumir a maioria das deslocações — e o consumo dispara.
Autonomia e Consumos Reais em Elétricos
O WLTP também é aplicado a veículos 100% elétricos.
Em média, as autonomias declaradas em WLTP são 20 a 30% inferiores às medidas no antigo NEDC, representando uma estimativa mais próxima da realidade. Ainda assim, fatores como peso do veículo, estilo de condução ou condições de estrada continuam a influenciar significativamente a autonomia real.
Implicações Fiscais em Portugal
ISV (Imposto Sobre Veículos)
O ISV em Portugal é calculado com base na cilindrada e nas emissões de CO2. No caso dos veículos importados, o valor considerado vem sempre do Certificado de Conformidade (COC):
- Campo 49.1: corresponde ao valor medido em NEDC.
- Campo 49.4: corresponde ao valor medido em WLTP.
Para veículos mais recentes (produzidos após 2019), praticamente só aparecem os valores WLTP, que tendem a ser mais elevados e, por isso, aumentam o imposto a pagar.
IUC (Imposto Único de Circulação)
O IUC também usa os valores de emissões indicados no COC.
Exemplo concreto: veículos da categoria B utilizados como táxi/TVDE são isentos se tiverem emissões de ≤180g/km NEDC ou ≤205g/km WLTP.
Isto mostra como a diferença entre NEDC e WLTP pode ter impacto direto no escalão de imposto e, em alguns casos, até determinar se um carro fica isento ou não.
Os Testes RDE e a Realidade das Emissões em Estrada
Além do WLTP, a União Europeia introduziu os RDE (Real Driving Emissions) — testes feitos em estrada real, com trânsito, variações de clima e condições de utilização diária.
O objetivo é simples: colmatar as limitações dos ensaios de laboratório e garantir que os veículos cumprem os limites legais de emissões, não apenas em condições ideais.
- O RDE mede poluentes como NOx e partículas finas.
- É especialmente importante para veículos a gasóleo e híbridos plug-in, onde as discrepâncias entre teste e condução real podem ser maiores.
- Embora não substitua o WLTP, o RDE funciona como um complemento essencial, trazendo maior transparência para consumidores e reguladores.
Contexto internacional: Como Diferentes Países Medem Consumos e Emissões
Na União Europeia, todos os veículos ligeiros são homologados segundo o WLTP, método obrigatório desde 2017.
Nos Estados Unidos, o processo é diferente: utiliza-se o protocolo EPA, que inclui os ciclos FTP-75 (urbano) e HWFET (autoestrada). Estes testes costumam ser mais exigentes em condução a alta velocidade, o que faz com que os consumos declarados difiram dos europeus.
No Japão, ainda é usado o ciclo JC08, conhecido por ser menos realista e otimista nos consumos. No entanto, o país começou a adotar o WLTC (Worldwide harmonized Light vehicles Test Cycle), uma versão adaptada do WLTP europeu, para se aproximar das normas internacionais.
Na prática, isto significa que o mesmo carro pode apresentar valores oficiais distintos de consumo e emissões, dependendo do mercado onde é vendido e do protocolo de testes aplicado.
Efeitos no Mercado Automóvel e no Consumidor
Para Fabricantes
A entrada em vigor do WLTP obrigou os fabricantes de automóveis a investir em novas tecnologias e motores mais eficientes.
A União Europeia estabeleceu metas rigorosas de emissões médias para a frota de cada marca, aplicando multas pesadas às empresas que não cumprem esses limites. Este cenário acelerou a transição para carros híbridos e elétricos, forçando a indústria a inovar mais rapidamente.
Para Consumidores
Para quem compra um carro, o WLTP trouxe mais transparência nos valores de consumo e emissões, permitindo uma comparação mais realista entre modelos.
No entanto, essa maior precisão também teve um efeito direto nos impostos: em muitos casos, os valores de ISV e IUC aumentaram, já que os consumos e emissões declarados são mais altos do que no antigo NEDC.
Para Importadores de Usados
Entre 2017 e 2019, coexistiram homologações em NEDC e WLTP, gerando dúvidas até hoje no mercado de importação.
Para quem pretende importar um carro usado para Portugal, é fundamental verificar no Certificado de Conformidade (COC) se o valor registado corresponde ao NEDC ou ao WLTP. Isso porque esse dado pode determinar em que escalão de imposto o veículo vai cair, influenciando diretamente o custo final.
Conclusão: Impacto do WLTP face ao NEDC em Consumos, Emissões e Impostos
A substituição do NEDC pelo WLTP marcou uma viragem fundamental na forma como a Europa avalia consumos e emissões de veículos. O NEDC, demasiado simplificado e afastado da realidade, deixou de ser fiável para consumidores, reguladores e fabricantes. O WLTP, por sua vez, trouxe valores mais próximos da utilização real, permitindo decisões mais conscientes e reforçando a credibilidade dos números oficiais.
Na prática, esta mudança teve efeitos claros:
- Fabricantes tiveram de investir em tecnologia mais eficiente para cumprir as metas ambientais da União Europeia.
- Consumidores ganharam transparência, mas enfrentam valores de ISV e IUC mais elevados, uma vez que os números WLTP são, em média, 20 a 25% superiores aos do NEDC.
- Importadores de usados passaram a ter de confirmar cuidadosamente qual o ciclo indicado no Certificado de Conformidade (COC), já que disso pode depender o escalão de imposto e, em muitos casos, diferenças de centenas ou milhares de euros.
Em Portugal, o impacto é direto: tanto o ISV como o IUC são calculados com base nos valores constantes do COC, e desde 2019 praticamente só aparecem medições WLTP. Ou seja, quem importa ou compra um carro precisa considerar esta realidade para não ser surpreendido com custos adicionais.
A boa notícia é que não precisa de dominar estes detalhes técnicos sozinho. Na Importrust, tratamos de todo o processo de importação e asseguramos que o carro chega a Portugal com os impostos certos e sem surpresas desagradáveis.
Perguntas Frequentes sobre o WLTP e o NEDC
1. Qual é a diferença entre WLTP e NEDC nos consumos e emissões de CO2?
Os testes WLTP são mais longos, com velocidades mais altas e condições mais próximas da condução real. Por isso, os valores WLTP são, em média, 20 a 25% superiores aos do NEDC.
2. O que é o CO₂MPAS e porque foi criado?
O CO₂MPAS é um software desenvolvido pelo Joint Research Centre da Comissão Europeia para converter valores NEDC em WLTP durante a fase de transição (2017–2019), garantindo comparações justas.
3. Porque é que o consumo real de combustível pode ser maior do que o declarado em WLTP?
O WLTP é mais realista que o NEDC, mas continua a ser um teste de laboratório. Em estrada, fatores como estilo de condução, trânsito, peso e temperatura fazem com que o consumo real seja cerca de 18 a 24% superior ao declarado.
4. Qual é a diferença entre o ciclo WLTC e o procedimento WLTP?
O WLTC (Worldwide harmonized Light‑duty Test Cycle) refere-se aos ciclos de condução específicos (quatro fases: baixa, média, alta, extra‑alta) usados para medir consumos e emissões. Já o WLTP (Worldwide harmonised Light Vehicles Test Procedure) é o conjunto completo de regras de homologação que incorpora os WLTC e estabelece como devem ser realizadas as medições.
5. Desde quando o dispositivo OBFCM (On-Board Fuel Consumption Monitoring) é obrigatório nos carros na UE?
O OBFCM, dispositivo de monitorização de consumo de combustível e/ou energia elétrica, tornou-se obrigatório para veículos ligeiros novos na União Europeia a partir de 2021, conforme estabelecido pelo Regulamento (UE) 2018/1832.
6. Como são definidas as classes de veículos (PMR) no WLTC?
Os ciclos WLTC são adaptados a classes de veículos segundo o power-to-mass ratio (PMR) — a relação entre potência do motor e peso do veículo:
- Classe 1: PMR ≤ 22 kW/t — veículos de baixa potência.
- Classe 2: 22 < PMR ≤ 34 kW/t.
- Classe 3: PMR > 34 kW/t — veículos mais potentes, dominantes na Europa, Japão e EUA.
7. O mesmo carro pode ter consumos e emissões diferentes em países distintos?
Sim. Na União Europeia aplica-se o WLTP, mas nos Estados Unidos usa-se o protocolo EPA (ciclos FTP-75 e HWFET), e no Japão ainda existe o ciclo JC08, embora o país já esteja a adotar o WLTC (versão adaptada do WLTP). Isto faz com que o mesmo carro apresente valores oficiais diferentes consoante o mercado.